O trabalho realizado pelas mulheres no extrativismo da mangaba e de mariscos se constitui como uma prática muito presente no contexto sergipano. Por meio dessas atividades, as mulheres extrativistas e marisqueiras garantem o alimento para a família, o complemento da renda do mês, além de preservarem a memória e a cultura do trabalho realizado em meio às plantações de mangaba e nos manguezais. Este é o caso de Aliene, catadora de mangaba do Santa Maria, e Gil, marisqueira, mulheres que compartilham as experiências do seu trabalho na presente entrevista, realizada entre ambas com a participação da equipe do OSR. Confira!
Parte 1: Entrevista com Aliene (entrevistadores: Gil e Pel)
Gil: oi, Aliene. Boa tarde. Eu queria saber como é o plantio da mangaba? Eu mesma já tentei e não consegui. Como faz para que ela germine? Aliene: Olá, Boa tarde! A primeira pergunta que você fez, sobre como é que planta a mangaba. Geralmente a gente pega as que nasce, as mudinhas embaixo das mangabeiras e plantamos ela em um vasinho pra depois que tiver pegada a gente replantar. Mesmo assim ainda morre muita. Plantar assim, um caroço nunca plantei. A gente joga os caroços num lugar, se elas nascem a gente vai e faz a mudinha antes que cresça, porque se mexer um pouquinho na raiz dela ela não pega. Mangabeira é muito difícil.
Gil: quanto tempo a mangaba leva para amadurecer? De quando nasce até o amadurecimento, quando tá boa para colher?
Aliene: Quanto ao tempo da colheita, do afloramento até a colheita é mais ou menos um prazo de 3 meses. No caso bem amarelinhas é quando a gente tira ela. Pra amadurecer tirando ela bem de vez não precisa encapotar. O pessoal que a gente vende de vez não encapota, eles vão pegando as que tão madura e vamos vendendo. Mas se for pra encapotar coloca numa vasilha e bota um paninho por cima, e ela passa três dias para amadurecer.
Gil: você vende em porta em porta ou em feira livre?
Aliene: Não, a gente não vende em porta a porta. Só em feira livre. A gente revende, uma pessoa que tem mangabeiras compra grande parte das mangabas da gente pra revender na feira do Augusto Franco. E a outra parte tem pessoas que vai lá no sítio procurar pra comprar. Também coloca no zap e as pessoas compra, faz encomenda e a gente entrega. Outra parte fica comigo e eu transformo ela em produtos da mangaba. Justamente pra quando não tem a mangaba é o dinheiro que eu vou ter. É o dinheiro do licor da mangaba, in natura que eu congelo ela por kg, da polpa, sorvete também faço. Os produtos da mangaba, é quando não tem elas eu tenho congelada e vou fazer esses produtos para sobreviver.
Gil: quando não tem mangaba, não tá no tempo, você faz o que para sobreviver? Eu sei que é difícil. E outra coisa, durante o tempo que não tem mangaba você recebe alguma ajuda governamental?
Aliene: Ajuda do governo realmente a gente não tem, nenhum tipo de ajuda. Antes, quando não tinha a mangaba, eu fazia as diárias. Mas esse ano foi muito difícil: não teve diária. Só tive auxílio (emergencial) do governo porque eu sou MEI, porque me inscrevi quando fazia artesanato. Por isso que eu tive ajuda do governo, mas sobre ter um defeso da mangaba, como o pessoal tava querendo lutar pra ter, como as marisqueiras têm. A gente não tem esse direito ainda.
Pel: o que ameaça o modo de vida de vocês? Esse trabalho de vocês com as mangabeiras?
Aliene: Na minha opinião o avanço imobiliário. A cidade vai crescendo, não tem mais pra onde crescer e vai avançando nas áreas da mangabeira, áreas da natureza. Eles estão avançando sobre a natureza mesmo. O pulmão de Aracaju, como diz o coração de Aracaju. Uma área verde que tem, que a natureza fez. É nessa área onde eles pensam em avançar.
Parte 2: Entrevista com Gil (entrevistadores: Aliene e Pel)
Aliene: como você sente ser pescadora em Aracaju e se você gosta do que faz? Gil: Eu não vou dizer que estou orgulhosa pela desvalorização que nós temos. As autoridades, os grandes não nos dá valor. Eles fazem de tudo para diminuir os pescadores. Mas, assim, eu gosto do que eu faço. Não vou todos os dias por que não dá, nós depende da maré. Do tipo de Maré. E também se seu corpo fisicamente permitir. Nós mulheres sabemos que temos nossos problemas. Mas eu gosto do que eu faço.
Aliene: você vende o marisco na feira ou você faz entrega, só por encomenda?
Gil: O pescado eu vendo normalmente por encomenda. Mas assim, eu pego e tendo em casa eu faço propaganda, e é claro que o povo quer. Mas em feira, em feira mesmo, eu não vendo. Não vou pra feira porque é muito chora, chora. É muito cansativo também. Eu vendo de porta em porta mesmo.
Pel: o que ameaça o seu trabalho como marisqueira, pescadora artesanal?
Gil: O que me ameaça, na verdade, não só a mim, mas todas as pescadoras e pescadores é o cercamento dos mangues até a beira da maré. Isso empata muito a gente quando tá por dentro dos mangues. Eu não digo dono de fazenda com cachorro não. Aqui não tem isso, perto da gente. Mas certos mangues mais distante tem cachorro. A gente fica receosa de encostar no mangue porque tem medo do cachorro vim de lá pra cá, senti o nosso cheiro e vim ao nosso encontro. Aí a gente cai dentro d´água. A tendência da maré é levar a gente pra outro canto, porque a gente não vai romper a força da maré no nado. E quem não sabe nadar?! Mas o pior é o cercamento dos mangues até a beira da maré. Animais peçonhentos também. Existe muitas cobras. Graças a Deus até hoje eu não vi. Mas muitas colegas, muitas parceiras daqui cansou de ver. Minha mãe mesmo nem se fala e outras. Hoje em dia muita gente vê cobras e abelhas. Prejudica muito. Como sabemos de companheiras nossas que até faleceu. Outra ameaça é se tiver nós mulher sozinha, uma, duas mulheres no mangue, eu tenho medo de aparecer um homem, gente que a gente não conhece e fazer mal a gente lá mesmo.
Aliene: Gil eu gostaria de saber como é o seu dia-a-dia como pescadora, como marisqueira?
Gil: Os dias que a maré dê eu vou. Essa semana eu não fui por causa de problema de mulher mesmo. Quando eu tô nesse período eu não vou. Mas aí eu fiz o quê, peguei uma ratoeira do meu cunhado e peguei uns ganhamuns pra comer, porque se não der numa coisa dá em outra. A gente tem que se virar em alguma coisa, se não dá uma coisa pode dar outra. Eu sei que aqui na Ilha morre de fome quem quiser. Porque pouco ou muito ainda dá pra achar alguma coisa pra sobreviver.
A relevância do trabalho das mulheres extrativistas e marisqueiras
No próximo dia 8 de março é comemorado o Dia Internacional da Mulher, uma data em que se rememoram as conquistas femininas alcançadas ao longo da história e se reforça a necessidade de se ampliarem as lutas contra as desigualdades de gênero existentes na atualidade. Nesse sentido, o trabalho realizado pelas mulheres extrativistas e marisqueiras, além da relevância para o sustento de suas famílias e para a reprodução social dos povos e comunidades tradicionais, se coloca também como um importante ato de resistência para essas trabalhadoras.