
No município fictício de Peixolândia, representantes de comunidades se reuniram para formar um conselho municipal com o intuito de decidir a destinação dos recursos da cidade. Cada representante - defendendo os interesses de sua comunidade - optou por destinar recursos para direitos básicos como saúde, educação e moradia, com exceção de um deles, o representante da prefeitura, que destinou verbas para shows e eventos. Foi através dessa simulação que a oficina Orçamento Público promovida pelo Observatório Social dos Royalties (OSR) teve início na noite de quinta, 3 de julho.
Através de um exercício de imaginação em que os participantes discutiram as prioridades de investimentos em direitos básicos, a reflexão sobre o orçamento público de um município e a destinação desse orçamento foram temas abordados durante a oficina que reuniu cerca de 40 lideranças, pescadores, marisqueiras, indígenas e artesãos de quatro municípios sergipanos: Aracaju, Barra dos Coqueiros, Pirambu e Pacatuba.
A oficina Orçamento Público faz parte de um ciclo de oficinas promovido pelo OSR com intuito de discutir as políticas de participação popular e a promoção dos direitos, é o que nos explica o pesquisador de Ciências Humanas e Sociais, Iargo Souza. “A gente está fazendo um ciclo de oficinas e a primeira delas tratou do licenciamento ambiental com foco no licenciamento dos empreendimentos do petróleo e agora nós estamos fazendo sobre o orçamento público com foco nos royalties do petróleo, e na forma como isso tem impacto no orçamento, principalmente, dos municípios, e quais são os mecanismos de participação popular para que haja uma aplicação mais adequada desses recursos e para que não haja uma dependência das prefeituras”, explica.
Na manhã de sexta, 4 de julho, a oficina trouxe para Aracaju a pesquisadora Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), para facilitar as discussões sobre o tema Orçamento público e Direitos. Apesar do assunto ser um tema espinhoso com números, termos técnicos e dados que muitas vezes distanciam boa parte da população, a atividade buscou democratizar esse tema por meio de uma metodologia participativa. Segundo Alessandra Cardoso - que também é doutora em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) - um dos objetivos de seu trabalho e do INESC é promover uma compreensão de que o orçamento público é “uma peça essencialmente política e que os movimentos, organizações e as comunidades devem se organizar para demandar, junto ao poder público, seus direitos por meio da execução de políticas públicas. O orçamento é esse instrumento que vai financiar e que vai viabilizar que esses direitos e que essas políticas, que são fruto de muita luta histórica, possam de fato sair do papel”, explica.
Já à tarde, a assessora jurídica e parlamentar da deputada estadual Linda Brasil (PSOL), Cindy Barbosa, facilitou a atividade com o tema Ciclo Orçamentário. Através da exposição de dados de municípios sergipanos e o detalhamento das etapas do ciclo orçamentário, os participantes puderam aprender sobre os três instrumentos de planejamento e orçamento público estabelecidos na Constituição Federal de 1988: o Plano Plurianual (PPA) que define as diretrizes, metas e objetivos da administração pública durante quatro anos; a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que estabelece as prioridades de cada ano; e a Lei Orçamentária Anual (LOA) que estima as receitas e fixa as despesas para o ano seguinte.
A complexidade que os três instrumentos de planejamento orçamentário possuem, muitas vezes, afasta setores da população menos favorecidos que acabam não participando ou não tendo conhecimento sobre as principais decisões do orçamento público nos municípios. Cindy Barbosa chama atenção para o fortalecimento da incidência da população no orçamento. “É importante que a gente fortaleça ainda mais a incidência da população nas discussões sobre o orçamento. Embora ele [orçamento] venha pronto do executivo, se a população estiver organizada, compreendendo os prazos, o modo como podemos propor emendas e o que cada lei envolve, permitirá que as comunidades possam propor para o orçamento aquilo que elas julguam ser melhor para elas”, afirma a advogada e membra da JusFeminina.
O Jogo da Vida Dura
Como metodologia para trabalhar os conhecimentos aprendidos sobre os temas Orçamento e Direitos e Ciclo Orçamentário, a equipe de pesquisadores do OSR formulou o Jogo da Vida Dura, um jogo de tabuleiro que tinha como objetivo percorrer o ciclo dos três instrumentos do orçamento público até alcançar as políticas públicas, objetivo final do jogo. Três equipes foram formadas e cada equipe elegeu seu jogador. A cada rodada, o jogador arremessava um dado com duas cores e a cor sorteada indicava a carta a ser escolhida, contendo perguntas sobre os temas abordados. A equipe que respondia à pergunta corretamente avançava uma casa. Com uma disputa acirrada e empenhados em dar respostas corretas, os participantes exercitaram a memória e o trabalho em equipe.
“O jogo foi muito marcante porque nos ajudou a assimilar o que aprendemos. Ele [jogo] envolveu todo mundo, mesmo aqueles mais tímidos também conseguiram participar e isso foi fantástico porque nos provocou a pensar sobre os temas que ouvimos”, afirma Adilma Gomes, presidente da Associação Comunitária dos Moradores do Loteamento Senhor do Bonfim - Farolândia (Barrosinho) e uma das jogadoras do Jogo da Vida Dura.
Para Ginaldo Moura, pescador artesanal e também um dos jogadores, o jogo reforçou de modo lúdico os conhecimentos compartilhados. “A gente brincou, se divertiu e eu vou levar uma aprendizagem para minha comunidade que vai ajudar na luta por qualidade, por melhorias no meu município e no meu povoado”, explica Ginaldo, morador do povoado Bebedouro, em Pirambu.
O desenvolvimento de metodologias que agregam práticas da Educação Popular, do teatro, da facilitação gráfica, da contação de histórias e da oralidade é um dos pilares do trabalho desenvolvido pelos pesquisadores do OSR. Segundo Iargo Souza, o objetivo é garantir maior participação e o envolvimento mútuo nos processos de aprendizagem. “Os temas que estamos trabalhando nas oficinas são muito espinhosos, são temas extremamente complicados que têm uma linguagem fechada. A nossa ideia então era romper com isso de forma lúdica, utilizando diferentes elementos artísticos e eu acho que tem dado resultado, o pessoal tem gostado bastante e o grau de envolvimento e participação tem sido satisfatório. A equipe tem percebido os resultados e estamos nos dedicando para manter as atividades desta maneira. A nossa intenção é tornar os assuntos leves de uma forma que, ao final, as pessoas possam ter uma compreensão coletiva sobre os temas e que haja um envolvimento mútuo entre as pessoas que estão participando da oficina e a equipe do PEAC”, explica.
A oficina de Orçamento Público ocorreu entre os dias 3 e 5 de julho em Aracaju e contou com a participação de cerca de 40 lideranças comunitárias do litoral norte de Sergipe. Ao final da oficina, as lideranças encaminharam propostas que pretendem acompanhar, nos próximos meses, as discussões a respeito do orçamento público estadual.
A realização do PEAC é uma medida de mitigação exigida pelo licenciamento ambiental federal conduzido pelo IBAMA.